Solidão

Em um mundo tão povoado, onde em muitas cidades as pessoas vivem quase amontoadas, há milhares de seres humanos em completa solidão. Cristiane é uma garota assim. Ela nasceu em uma cidade do interior de Minas Gerais e desde muito pequena vivenciou os problemas conjugais de seus pais. O pai, um homem ausente e desinteressado pelo lar e pela própria filha, praticamente nunca assumiu o fato de ser casado.

Quando Cristiane completou quinze anos enfrentou a dor do penoso e inevitável processo de divórcio dos pais. Logo em seguida, mudou-se com sua mãe para outra cidade, mas levou com ela muitos sentimentos de tristeza, desesperança e solidão. Sua mãe logo conseguiu um ótimo emprego, o que foi muito bom; mas ao chegar do colégio, Cristiane passava longas horas inteiramente só.

Todas essas circunstâncias transformaram a jovem em uma pessoa fechada, retraída, até o dia em que conheceu Francisco, um rapaz mais velho e experiente. Ambos começaram a namorar e Cristiane passou novamente a sentir-se feliz, o que não acontecia há muito tempo. Entretanto, depois que o namoro já estava firme, Francisco começou, incessantemente, a pedir uma prova mais real do amor da namorada. Segundo ele, ela só demonstraria o quanto o amava se concordasse em ter relações sexuais.

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E foi assim que ela cedeu aos reclamos de Francisco, apesar de saber que estava fazendo algo errado. Para acalmar sua culpa, pensou nas amigas, para as quais era muito comum esse tipo de relacionamento.

Bem, Francisco obteve sua "prova de amor", o que não impediu de relacionar-se de forma semelhante com outras garotas, mesmo sabendo que magoaria profundamente Cristiane. Hoje ela continua só. Francisco ainda é seu namorado, mas ela não o tem verdadeiramente para si ou perto de si. A solidão, portanto, não a abandonou.

Solidão é o reconhecimento doloroso que inunda a vida de milhões de adolescentes e jovens, que não possuem um relacionamento significativo com outros.

De tempos em tempos, a solidão bate à porta de todos nós, mas jovens e adolescentes são um alvo fácil e frágil desse sentimento. Para eles, ela é devastadora, uma onda cósmica que consome seus pensamentos, suas energias.

Na adolescência, a necessidade de aceitação social da turma, está no auge. Eles não se consideram mais crianças e esforçam-se para ser independente dos pais, das famílias. A ligação com aqueles que são de seu grupo é importantíssima e as pressões resultantes da luta por seu próprio espaço são muito fortes.

Tenho observado jovens que vivem em uma atmosfera familiar razoavelmente tranquila, onde têm uma boa comunicação com seus pais, que são pessoas equilibradas, interessadas e ajustadas, mas mesmo assim sofrem de solidão porque não se relacionam com a turma.

CAUSAS DA SOLIDÃO

1. O Espírito da Época

Nossa atual obsessão pela eficiência, pelas conveniências e pela tecnologia têm inferiorizado as pessoas, causando sentimentos de inutilidade e falta de significado, pois a máquina pode substituir o homem em muitas áreas.

O adolescente de hoje em dia não possui raízes profundas. A mobilidade da família brasileira, suas mudanças constantes, as separações e os divórcios cada vez mais frequentes, provocam uma traumática ruptura de relacionamentos.

A urbanização massacrante gera medo e, por que não dizer, até quase um pavor de desconhecidos. O vizinho, em geral, é um estranho que deve ser evitado até que suas reais intenções sejam conhecidas.

Os jovens andam por aí, alienados com um fone de aparelho celular ou mp4 em seus ouvidos ou com um mini vídeo-game em suas mãos, isolando-se mais e mais, incentivados pelos modismos da atualidade. A TV e os programas de computador, sempre batalhando para sofisticarem-se cada vez mais, oferecem dezenas de opções para todos os gostos, trancafiando garotos e garotas em suas casas durante horas seguidas.

Parece-me que centenas de adolescentes relacionam-se maravilhosamente bem com a tela de um computador em detrimento a olhar nos olhos das pessoas para curtir um bate-papo positivo, construtivo e saudável.

A sociedade tem perdido fontes de relacionamento que muitos anos atrás ajudaram o jovem a formar e manter amizades. Hoje, além de precisar lidar com os questionamentos e sentimentos normais que caracterizam essa fase de transição de suas vidas, eles têm que aprender a enfrentar a solidão.

2. Baixa-Estima

Ela inclui avaliações físicas (o corpo não é como desejariam que fosse). O mesmo ocorre em relação à saúde, sexualidade, aparência e comportamento. Tudo contribui para o adolescente ser vulnerável à rejeição, a qual provoca retraimento e este, solidão.

Quando o jovem tem pouca confiança em is mesmo é difícil sentir-se apto para criar relacionamentos com outros de sua idade.

3. Relacionamentos Familiares Inadequados

Quando aconselho adolescentes que padecem com a solidão, tento descobrir como foi seu relacionamento com os pais durante a infância. Creio que os primeiros dez anos da vida de uma criança é o período apropriado para solidificar a amizade, o companheirismo, a confiança, o respeito, a lealdade e o carinho entre pais e filhos. Se isso não acontece, essa criança chega à adolescência desestruturada; isto proporciona os motivos para ela sucumbir à solidão.

4. Medo

As pessoas sentem-se solitárias porque constróem muros ao invés de pontes. As barreiras são erguidas para manter os outros afastados. Por quê? É por medo de intimidade, medo de deixar-se conhecer, medo de ser rejeitado ou de machucar-se novamente.

A solidão é dolorosa, porém mais suportável que o medo e a insegurança de ver cair a "máscara".

5. Desejo de Independência

Por natureza, os adolescentes anseiam por autonomia comportamental, moral, religiosa e por desenvolver suas próprias convicções e ideologias. Para alcançar esse tipo de liberdade cada um precisa depender de si mesmo. Por outro lado, tomar decisões sem conselhos ou interferência de outros, pode ser muito temerário e até causar afastamento daqueles que os rodeiam.

6. Circunstâncias e Mudanças Temporárias

O jovem torna-se vítima de uma circunstância imprevisível: a(o) namorada(o) o(a) abandona por outro(a); reprovação no vestibular; o(a) amigo(a) muda-se para outra cidade, etc.

Denominamos esse tipo de solidão de situacional e temporal. Porém, para os adolescentes, ela é arrasadora.

7. Inabilidade, Incapacidade ou Indisposição para Comunicar-se

A falta de comunicação pode ser uma das raízes da solidão pessoal. O adolescente cresceu em um lar pouco comunicativo e desconhece como fazê-lo ou, por uma razão qualquer, persiste em seu isolamento, mesmo tendo diversas pessoas a seu redor.

8. Repercussão Espiritual

Santo Agostinho orou da seguinte forma: "Tu nos criaste para Ti mesmo e o coração do homem se inquieta até encontrar o descanso em Ti".

A solidão é o resultado do distanciamento de Deus. O Senhor criou o coração do homem de um determinado formato o qual apenas Ele pode preencher.

A rebelião humana foi a causa parcial da solidão, pois ela ocasionou uma barreira entre o indivíduo e Deus. No sacrifício de Cristo Jesus no Calvário podemos reconstruir a ponte que fazia a ligação entre nós e Deus, e que foi destruída. Somente assim o problema da solidão espiritual é solucionado.

9. Outras Causas

Em seu livro: "Loneliness: a Social Development Analysis", Craig W. Ellison aponta diversas e possíveis causas da solidão:

• Timidez; • Rejeição; • Doença física; • Sentimento de não pertencer; • Separação física de um ente querido; • Conflito não resolvido; • Incompreensão; • Crítica de alguém a quem admire e exerça influência sobre ele; • Morte de um ente querido; • Desejo de possuir um relacionamento que nunca acontece; • Muita atividade.

CONSEQUÊNCIAS DA SOLIDÃO

1. Físicas

Em seu livro, "Loneliness: the Fear of Love", Ira J. Tanner registra vários efeitos físicos da solidão:

A solidão infecta todas as fibras do nosso ser, nossas esperanças, ambições, sonhos, vitalidade, desejos, tanto quanto nossos corpos. Nosso comer e dormir são afetados freqüentemente. Obesidade e ganância também podem ser sintomas. A miséria da solidão às vezes se manifesta com dores corporais. Não é incomum fraqueza nas pernas, proveniente do fardo pesado que o medo acarreta e que carregamos sobre os ombros. Ombros arcados, lábios caídos, andar vagaroso e arrastado, bem como silêncio e isolamento, são efeitos da doença da solidão.

2. Baixa-Estima

A baixa-estima tanto pode ser a causa como a consequência da solidão. Às vezes é muito difícil identificar quando é uma ou outra. Qualquer conselheiro necessita de uma boa dose de sabedoria e perspicácia nesse sentido.

O jovem solitário carrega consigo sentimentos de vazio, desesperança e desvalorização, que sempre são acompanhados da sensação de não ser amado. Ele encara sua dificuldade em fazer amizades como um fracasso pessoal. Não raro, a opção pelo isolamento culmina em autocomiseração e egocentrismo.

3. Dependência

O indivíduo tende a depender totalmente de outros. Ele se "agarra" a alguém dando a impressão que vai sugar todas as forças emocionais da pessoa.

Pessoas dependentes, em geral, seguem um processo em seus relacionamentos. Primeiramente, descrêem de sua capacidade em cuidar de sua própria vida emocional.

Em segundo lugar, elas esperam que os outros supram suas necessidades. Quando percebem que suas expectativas não foram atingidas ou satisfeitas, surge a terceira atitude desse processo, pois tornam-se exigentes.

O resultado não pode ser outro senão o afastamento deliberado daqueles que se sentem sufocados por elas. Infelizmente, no final desse processo, a pessoa vê-se novamente, e ainda mais só.

4. Depressão

Outra conseqüência da solidão é a depressão. Em casos extremos, a depressão pode conduzir ao desespero e este, à tentativa de suicídio.

A tendência de um adolescente é permanecer trancado em si mesmo e não deixar transparecer, ou não expressar, seus sentimentos. Entretanto, é preciso considerar que muitas vezes ele simplesmente não sabe como fazê-lo, o que apenas contribui para acentuar seu sofrimento com a solidão.

Um jovem descreveu-me assim, o que carregava oculto em seu coração: "Sinto que estou num buraco escuro e profundo, sem esperanças".

5. Uso de Álcool e Drogas

Aquele que carrega o fardo da solidão, geralmente quer libertar-se por meio da bebida ou de drogas. Para tal, ele procura "amigos" que já têm experiência. Tal procedimento não soluciona o problema, mas pode ser uma das características dos que se sentem sós.

6. Reflexos Espirituais

Quando a pessoa não tem comunhão com Deus a solidão é mais forte. A consciência, também, pode já estar cauterizada pelo pecado, e isso pode fazer com que essa pessoa sinta-se abandonada pelo Pai. Esse sentimento pode provocar amargura contra o Senhor como se Ele a tivesse esquecido.

Acredito que, aquele sofre de solidão espiritual de forma crônica não é um cristão ou, se o for, não se apropriou e não compreende o poder da graça redentora de Deus.

SUGESTÕES

Os jovens são solitários não necessariamente porque se separam uns dos outros, mas porque estão alienados de si mesmos.

Pais e conselheiros devem ajudar os jovens e adolescentes a descobrirem-se. Mas como?

1. Sendo amigo

  • Para que isto aconteça, devem ter a habilidade de desenvolver entre ambos um relacionamento baseado em confiança. Pode-se fazer algumas perguntas:
  • Você poderia descrever-me seus sentimentos e lutas?
  • Em que situações você se sente mais só?
  • De que formas você procura tratar a solidão?
  • Nesse momento, conforme as resposta que ouvir, poderá determinar o grau da solidão e se é temporária ou crônica.

2. Enquanto estiver escutando a pessoa, aproveite para afirmar, encorajar e elogiar o jovem. Os solitários têm necessidade de compreender que possuem pontos fortes, habilidades, talentos e dons, bem como algumas falhas.

3. O jovem precisa entender quais são as causas básicas que o levaram a ser tão só. Os sintomas são alarmes, precisamos ouvi-los. Entretanto é preciso detectar as causas, as raízes que provocaram o problema e tentar eliminá-las.

Seguem-se algumas perguntas que podem auxiliar nesse processo:

A. Sua solidão foi causada por alguma situação temporária? B. Sua solidão foi causada por alguma mudança, seja geográfica, familiar ou pela perda de alguém muito querido? C. Sua solidão advém de sentimentos, como: timidez natural, dificul-dade em fazer amigos, inabilidade de relacionar-se ou algum tipo de abuso físico ou verbal?

4. Levar a pessoa a conhecer Jesus. Sempre afirmo: "Jesus quer ser seu melhor amigo e Ele nunca vai abandoná-lo."

Se o adolescente sofre de solidão, ele precisa saber que Cristo pode viver em seu coração através do Espírito Santo, que esse Cristo tem um Corpo - a Igreja, com a qual ele deve se envolver. Também precisa saber que tem à sua disposição os poderosos recursos da oração e da graça de Deus.

Devemos sempre orar com o solitário por sua batalha contra a solidão. Acho essencial que se desenvolva algum tipo de plano de ação simples, que o adolescente possa seguir. Exemplos:

A. Desenvolver as disciplinas espirituais em sua vida: oração, leitura e estudo bíblico, confissão de pecados, amizades cristãs, etc. B. Estudar sob o ângulo bíblico um tema pertinente às necessidades do jovem. C. Desafiar o garoto/garota a tomar decisões concretas: "Vou deixar de 'hibernar' em meu quarto durante uma semana", etc. D. Incentivá-lo (a) a sair com um amigo (a), ir ao shopping, cinema, algo assim. E. Dar ênfase à importância de um retorno, de preferência mútuo, a respeito dos alvos estabelecidos. Se eles foram atingidos ou não.

PERSPECTIVA BÍBLICA

No alvorecer da história humana, quando Deus avaliou tudo que criara, Ele declarou em Gênesis 2:18: "Não é bom que o homem esteja só...". O Senhor sempre soube que o ser que criara seria como Ele, desejoso de relacionamentos, de companheirismo e comunhão. Um dos propósitos da criação do homem foi justamente esse: a comunhão com o Criador.

O pecado golpeia, abala e separa o relacionamento entre o Senhor e a pessoa, como fez com Adão e Eva. O maravilhoso e definitivo plano da redenção nada mais é do que Deus buscando resolver o impasse da separação entre Ele e sua criatura, exatamente a problemática da solidão que foi imposta ao homem por ele mesmo, como decorrência de seu próprio pecado.

Grandes homens de Deus experimentaram solidão, conforme nos é desvendado na Palavra: Jacó, Moisés, Jó, Davi, Neemias, Elias, Jeremias. São de Davi as seguintes palavras do Salmos 25:16: "Volta-te para mim e tem compaixão, porque eu estou sozinho e aflito". Eles correram para Deus, expuseram, verbalizaram seu problema e foram confortados, fortalecidos. Nele, encontramos suprimento, companhia e forças.

Há ocasiões em que precisamos ficar sozinhos, mas essa não deveria ser a condição permanente das pessoas. Sejam quais forem as causas e as conseqüências da solidão, mesmo que seja difícil ir até os outros e apesar das inevitáveis decepções, vale a pena ter amigos, a começar de Jesus.

Artigo baseado no capítulo "Solidão" do livro do Pr. Jaime Kemp: "Adolescência: Crise ou Curtição", publicado pela Editora Vida.